Crianças como Cobaias Algorítmicas?

A Responsabilização Jurídica na Era dos Brinquedos com Inteligência Artificial

Um grupo de crianças está sentado à mesa com um ursinho de pelúcia.
Leitura estimada: 11 minutos

Quando o brinquedo deixa de ser inocente
A parceria entre a Mattel e a OpenAI inaugura um novo tipo de brinquedo: não apenas interativo, mas inteligente, responsivo e emocionalmente envolvente. Bonecos que “falam com a criança” não por meio de gravações fixas, mas por inteligência artificial avançada.

Sob o pretexto de inovação educativa, surge o risco de algo mais profundo: a colonização emocional da infância por algoritmos privados, não auditáveis, nem supervisionados por qualquer autoridade pública. O brinquedo torna-se uma interface de influência comportamental - e a criança, uma usuária vulnerável, sem defesa crítica.

O impacto nos negócios: o brinquedo virou máquina de dados

Brinquedos com IA não são apenas mais caros - são mais lucrativos. Eles permitem:

• Coleta contínua de dados de voz, emoção e comportamento;
• Fidelização precoce de marca, a partir de vínculos emocionais artificiais;
• Verticalização da cadeia: quem fabrica também coleta, interpreta e lucra com os dados.

A Mattel, com a tecnologia da OpenAI, dá um passo além: não vende apenas brinquedos, mas pode modelar preferências, valores e padrões emocionais infantis - com uso comercial futuro.

O desafio para startups e pequenas empresas do setor infantil
Empresas menores, edtechs e brinquedos tradicionais perdem competitividade em três níveis:

1. Tecnológico: não têm acesso à infraestrutura de IA generativa.
2. Jurídico: carecem de recursos para implementar proteção de dados sensíveis infantis.
3. Concorrencial: enfrentam barreiras criadas pela coleta exclusiva de dados afetivos.

A saída? Posicionar-se como alternativa ética: brinquedos sem coleta oculta, com transparência total e propósito educativo legítimo.

Exemplo prático: o caso da boneca banida na Alemanha
O caso da boneca “My Friend Cayla”, retirada do mercado europeu, é um alerta.
Ela escutava conversas da criança, transmitia para servidores remotos e gerava respostas personalizadas.

Na época, o brinquedo foi proibido por violar o direito à privacidade e o interesse superior da criança.
Agora, imagine isso sendo feito por uma IA capaz de:

• Validar crenças,
• Sugerir condutas,
• Mapear emoções diárias.

E tudo isso sem que os pais saibam o que está sendo coletado, muito menos “ensinado”.

Dica de Especialista: como evitar passivos jurídicos e reputacionais
Empresas que desejam atuar no setor de brinquedos inteligentes devem, antes de qualquer lançamento:

• Criar Comitês de Ética para Infância e Tecnologia;
• Submeter o brinquedo a testes psicossociais com crianças reais;
• Implantar sistemas de auditoria independente para a IA embarcada;
• Definir limites claros para a coleta e uso de dados.

Isso não é modismo. É compliance preventivo para evitar multas, ações civis públicas e crises de imagem.

Alerta Legal: o que diz o ordenamento jurídico brasileiro

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
• Art. 1º e art. 4º: proteção integral e prioridade absoluta.
• Intervenções não supervisionadas por adultos configuram violação.

Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)
• Art. 14: proíbe tratamento de dados de crianças sem consentimento claro dos pais.
• Emoções, voz e padrões de comportamento são dados sensíveis.

Código de Defesa do Consumidor (CDC)
• Art. 37, §2º: proíbe publicidade abusiva dirigida a crianças.
• Quando o brinquedo “influencia” decisões, está publicitando de forma disfarçada.

Conselho Estratégico: como inovar com responsabilidade legal

Empresas devem seguir três princípios fundamentais:

1. Transparência tecnológica: pais têm direito de saber o que a IA faz, aprende e armazena.

2. Controle familiar real: o brinquedo deve conter opções robustas de configuração, tempo de uso, exclusão de dados e desligamento de funções sensíveis.

3. Limites éticos ao engajamento: a IA não pode estimular vício, dependência ou reforçar estereótipos.
Se a criança aprende com o brinquedo, o brinquedo precisa “saber ensinar com limites”.

Conclusão: entre a inovação e a irresponsabilidade
Crianças são pessoas em formação. Ainda não possuem filtros para distinguir fantasia de manipulação. Ao permitir que brinquedos com IA moldem comportamentos e armazenem dados emocionais, estamos diante de uma grave omissão jurídica e ética.

O Direito não pode agir depois do dano.

O silêncio normativo é uma forma de conivência com o abuso algorítmico.

Você desenvolve tecnologia para o público infantil? Ou atua com educação, inovação ou responsabilidade digital?

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Consultoria jurídica especializada em compliance digital e defesa preventiva contra passivos invisíveis.